quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Senti, parte 5

E pensar que ainda há pouco estava prestes a ir dormir, a adormecer por entre nuvens difusas de desgraças passadas da minha vida que não saem da cabeça, pensar que seria mais um dia que havia passado e que a noite repleta de sonhos sobre um futuro melhor viria aí, que os sonhos me envolveriam mais uma vez e que voltaria a acordar mais sóbrio do que nunca, com uma pena irritante e verdadeira do que estava a acontecer à minha volta. Em vez disso estava ali alguém que me fazia esquecer , nem que fosse por momentos, segundos mais breves do que a minha respiração incandescente quando ela me olhava, nem que seja por isso, vale sempre a pena..quando ela fica a olhar...
"Sabe bem, não sabe?", perguntou-me ainda sorrindo perante a quase descoberta inesperada da minha mãe, descoberta que bem podia dizer adeus às minhas férias! "sabe bem?", eu sabia bem o que ela queria dizer..."estar aqui...sem os problemas a passarem-nos à frente, a rir..estar aqui..", como eu me identificava com aquela rapariga absolutamente brutal, embora à minha maneira. "tens razão, tudo isto é..algo incrível, só estar aqui a conversar sem o medo que me mandes dar uma volta" .. "uma volta?",,"sim.." , "hum, há aí qualquer coisa que me está a escapar?", eu definitivamente não queria dizer o que se tinha passado, e que me fazia estar sempre assim, mas..porque não?! "eu não queria estar a dizer.." "mas sabes que podes dizer né?" disse sorrindo outra vez,cada sorriso daqueles era uma bomba de adrenalina para o meu coração, mesmo! "sei mas..eu gostava mesmo muito de uma pessoa, mesmo! Não sei como é que a "fiz" gostar de mim, se é que me entendes" ela continuava a dar-me o sorriso mais inesquecível que podia ter vindo a vivenciar e a aprovar com a cabeça tudo o que dizia, e a maneira como o cabelo lhe caía à frente dos olhos...ok! Concentra-te meu! "e depois?", "tipo, ela era da minha turma, e antes sequer de ter falado para ela já andava perdido naquela pessoa, era um coisa de outro Mundo, não sei como hei-de explicar..." "sim, já percebi!" disse ela com um tom um pouco mais forte, parando por momentos de abanar a cabeça :D "continua..." disse, "bem, nunca tive a coragem para falar com ela e todos à minha volta começavam a notar que algo se passava, pudera, eu não conseguia tirar os olhos dela !" "mas o que é que ela tinha assim de especial?", hum..parece que alguém estaria com uns certos ciúmes? humm.. "ela..era mesmo algo incrível.." "mas parece que te magoou né?", olhei para o chão relembrando tudo o que se tinha passado, e o porquê de estar triste e de tudo o que me meteu assim, "desculpa..", disse ela,"não te queria falar assim, mas.." "eu tive coragem para falar com ela, começámos a falar mais, e a conversa fiada de "olá, como estás, xau" passou a ser "está-me mesmo a apetecer falar contigo, agora", começámos a andar...depois acabámos" ... "o que aconteceu?" "ela era de longe e acabou por ter de ir para esse tal longe..." ..."desculpa...ter dito o que disse.." "na boa.." "acho que seria difícil alguém acabar contigo só por acabar, só uma razão forte como essa, talvez...acho que és muito especial para que fosse outra razão" ..olhei para ela e senti que algo se passava, aquela rapariga era tão diferente, tão linda e.."sou especial? Tu não me conheces..." "tu também não me conheces e isso não te impediu de me trazeres aqui para dentro...tu não me conheces mas foste tu que me salvaste de uma morte que me esperava lá fora..", aproximou-se, "és especial..."

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Senti, parte 4

A curiosidade despertava, mas no fundo não queria saber o que ela estava prestes a dizer, não esperava nada de bom a sair por aqueles lábios.
"Eu sei que não deveria ter feito aquilo, eu sei disso..e não sei se deva dizer..." "se preferires não digas" ela olhou para mim e deu-me o sorriso mais sincero que já vi, como se lhe tivesse tirado um peso de cima, "e tu? Qual é a tua história?", perguntou-me chegando-se mais para mim e abrindo os olhos que a cada minuto que passava me pareciam mais especiais, "pois, eu não tenho assim..tipo,,nada de especial.." ela voltou a dar-me aquele sorriso brutal "porque é que te estás a rir?" "tu, és diferente .." "diferente como?" "sei lá, és diferente e isso é bom" .."ainda bem..". O que é que iria acontecer a seguir, eu não podia mantê-la na minha casa, seria demasiado arriscado..seria melhor falar com os meus pais? Não! Acho que não. Esquece isso rapaz, aproveita para simplesmente estar com essa miúda que pela primeira vez representa algo real na tua vida.
"e agora? O que é que fazemos?" perguntei enquanto a fitava novamente, de certeza que estava a incomodá-la com o meu olhar insistente, "não sei, eu nem devia estar aqui...talvez fosse melhor ir-me embora!" e dito isto saltou da cama e correu para a porta num ápice, antes de lá chegar já eu estava à sua frente. "Estás a falar a sério? Vais embora assim? Sem mais nem menos?" .."eu..só estou aqui a fazer porcaria, é só isso que eu sei fazer não percebes?!" agarrei-a com força e puxei-a para mim, "tu não fazes porcaria, tu és tu e mais ninguém, agiste como devias agir e é isso que te torna uma pessoa tão forte e tão bonita!" .. bem, os olhares trocados poderiam muito bem ter causado um incêndio brutal, mas por sorte isso não conteceu! "filho! Que baraulho é esse aí em cima? Já viste que horas são?!", fui à porta "sim mãe, desculpa...eu..estou a tentar dormir e..." "vá anda lá, vê lá se dormes!" "sim mãe, xau", fechei a porta...ela estava embrulhada nos cobertores a silenciar o riso estridente que mesmo assim se conseguia ouvir, "é que isto tem uma piada desgraçada", "desculpa, não dá para resistir".
Talvez seja mesmo bom estar aqui, com uma perfeita estranha que gosta de se rir e de viver, fazendo brilhar os olhos cansados de uma vida que não merecia.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Senti, parte 3

Não conseguia deixar de olhar para ela, havia algo nela que me prendia a atenção, completamente. "como é que te chamas?" ...tens um nome certo?", ela não me respondeu, parou de comer, levantou-se e caminhou para a janela do meu quarto. "o meu pai batia na minha mãe e ela não dizia nada, limitava-se a estar calada, nunca disse nada a ninguém..preferia estar calada,,,sabia que ele podia muito bem cometer loucuras. Eu não aguentava o que via todos os dias, o que sentia todos os dias...ver a minha mãe ser mal-tratada, um ser humano tão bom que me ia ver ao quarto e que antes de adormecer me dizia que tudo estava bem, embora nada estivesse bem,,nada estava bem e eu sabia disso" ... "isso é...tenho pena que estejas a dizer isso, a sério. Ninguém devia passar por isso, e acredito que esse homem ainda há-de pagar por tudo o que fez!" "ele já pagou, bem caro!" "então, mas...", ela desviou o olhar da rua e virou-se para mim bruscamente "ele merecia, ele merecia e mereceu tudo o que lhe aconteceu...tudo! Ele não tinha o direito de tratar a minha mãe assim, nem de ter feito o que fez!" "o que é que ele fez?" ... voltou a dirigir-se para a janela, "era véspera de Natal, uma noite igual a esta, fria e silenciosa...foi nessa noite que..algo que nunca me sairá da cabeça..." "o que foi?" "eu vi o meu pai, aquele ser desprezível..com outra. Quando pensava que já podia ter feito tudo..." "eu...não sei o que dizer" ... "eu não aguentei...não dava para aguentar...ver aquilo e não fazer nada, eu não podia ficar calada como a minha mãe, eu tinha de fazer algo por ela e por mim.." "o que é que fizeste?" ...voltou a olhar para mim tendo-se sentado logo de seguida ao meu lado na cama, "eu...não gosto do que fiz, e talvez...ele merecia, a culpa não foi minha, ele sim, teve toda a culpa do mundo!", olhei para ela ...o meu coração já estava a fervilhar há muito, mas cada palavra que saía da sua boca me deixava mais nervoso ainda....estava completamente preso, e de facto, tinha bastante receio do que podia vir aí... "o que é que fizeste?"

domingo, 19 de dezembro de 2010

Senti, parte 2

Ela acabou por vir ainda que a medo e a olhar para mim com uma cara assustada e frágil, agarrei-a pelo braço, "a mão dela está tão fria!" pensei enquanto cambaleava pela porta da minha casa o mais sorrateiramente possível, os meus pais não me podiam ouvir mesmo, não queria que eles soubessem que eu estava a levar uma pessoa que nem conhecia para casa. "tens de fazer pouco barulho, os meus pais estão a dormir" sussurrei ao seu ouvido, ela abanou a cabeça concordando com o que acabara de dizer. Subi com ela segura pelos meus braços as escadas que davam para o meu quarto, ela estava mesmo frágil, os pés tropeçavam a cada degrau que subíamos dificultando-me a tarefa de manter o silêncio naquele momento. Entrámos no quarto, deitei-a na minha cama e liguei o aquecedor, apontando-o para o seu corpo. "eu vou-te buscar algo para comeres, já volto", ela manteve-se imóvel sem dizer uma única palavra.
Fui à cozinha ver o que é que lhe podia arranjar...hum...uma tosta e um copo de leite..."o que é que estás a fazer acordado a estas horas?"..."mãe! hã..vim só comer qualquer coisa, não consigo dormir..." "andas a fazer muito barulho lá para cima, o que é que andas as fazer?" "nada, sou eu que não consigo dormir, mas eu vou voltar para a cama, até amanhã" "até amanhã, e vê lá se dormes, tens de aproveitar para descansar nestas férias" "sim, eu sei..até amanhã" ... "foi por pouco, tenho de ir lá para cima" pensei, enquanto subia as escadas esforçando-me ao máximo para não deixar cair nenhuma gota de leite no chão.
Quando cheguei ao quarto ela tinha-se embrulhado nos cobertores, a cara já não estava tão pálida e quando fechei a porta do quarto os olhos abriram-se, uns olhos verdes selvagens mas cansados, "trouxe-te uma tosta e um copo de leite, não sei se gostas..." .. ela continuava a olhar para mim com os olhos quase a fechar e os lábios secos, estava encharcada.. "olha, veste qualquer coisa quente, não podes estar assim..essa roupa está molhada e assim ficas com muito frio...percebes?", dei-lhe roupa quente e saí do quarto para ela se poder vestir, voltei a entrar e ela já estava de novo na cama agora com a roupa quente e seca que lhe tinha dado. "come, tens de comer, estás muito fraca.." "posso?" "claro que podes, que pergunta!".
Não tinha reparado que ela era tão bonita..