quinta-feira, 14 de abril de 2011

Senti VIII

Era o que eu queria ouvir…e o que não queria ouvir.


Abateu-se um silêncio cortante pelo quarto. Ela continuava a olhar para mim, à espera de uma resposta, uma resposta que eu não sabia dar mas que estava mesmo na ponta da língua…diz! Diz que sim! “eu…”, não conseguia dizer uma palavra que fosse e ela não sabia o que havia de fazer, “eu…vês?”, “o quê?”, perguntou-me com uma expressão confusa, “era o que eu te dizia, isto não pode ser assim…e tu sabes bem”, levantei-me e dirigi-me à janela, o tempo não tinha melhorado, estava uma noite cerrada, fria e escura. “não pode ser assim? O que é que estás a dizer?”, a voz dela estava mais fraca do que nunca”, continuei com o olhar preso na rua, “tu sabes bem o que eu quero dizer. Eu não posso…não consigo...”, senti as suas mãos percorrerem-me as costas, voltei-me para trás e ela estava ali. “olha para mim.”, olhei para o chão, “olha para mim…olha.”, olhei para ela, “o que é que vês?” … eu via a pessoa mais sincera, corajosa e linda. “o que é que vês?”, voltou a perguntar, “eu vejo a pessoa mais sincera, corajosa e linda…que já pude conhecer…e tu? O que é que vês?”, num movimento repentino agarrou-me com toda a força, abraçou-me e beijou-me…disse: “vejo o que não quero largar, o que quero…e sei que o que tu vês é igual!”, ela tinha toda a razão. Abracei-a e segredei-lhe ao ouvido “como te chamas?”, ela segredou-me o nome. Olhei-a nos olhos, “eu não te largo! Não sais daqui, nem de mim!…eu…amo-te.”.


Acabaram as perguntas!


Não sei o que vou fazer, mas vou fazer tudo o que possa para ficar com esta miúda. Com ela sinto-me eu, de uma vez por todas, e não serão outros problemas a meterem-se à frente disto! Vou deixar para trás tudo o resto e viver, finalmente!


“vou ajudar-te em tudo!”, disse-lhe, ela sorriu-me…”bem…a noite ainda é uma criança né?”, disse-me com um ar malandro, “se calhar o melhor é aproveitá-la, não achas?”, respondi-lhe, “concordo!”.

Senti VII

“e o que é que fazemos?”, perguntei, “logo se vê, pensa antes em estar aqui, agora!”, puxou-me para ela, eu afastei-me, “não vês no que isto vai dar, vais-te embora…exactamente como ela foi…”, mais uma perda assim e eu sabia lá o que é que aconteceria, já me sentia em baixo o suficiente…todos os dias me sentia triste e eu não queria que isso se agravasse, não dava. “nós arranjamos uma solução, a sério, nós conseguimos”, a voz dela parecia enfraquecer a cada palavra, conseguia ver o brilho verde dos seus olhos a esmorecer, afastou por momentos a cara…mas o que é que eu estou a fazer?! Porque é que sou assim?! Ela tem razão, ela tem toda a razão deste mundo! Puxei-a para mim, voltámos a estar frente a frente e cada vez mais pensava que era aquilo que eu queria e que era aquilo por que eu ia lutar. Encostámos as nossas testas e fechámos os olhos, eu sentia o calor que a sua boca emanava e arrepiava-me completamente. “quero estar aqui, assim…contigo”, disse novamente, e ela sorriu. “eu também quero estar aqui, assim…contigo” e abraçou-me com toda a força, continuou, “fazes-me esquecer os problemas todos, todos, todos! Esqueço todas as merdas que já me fizeram! Todas as torturas diárias por que passei…fazes-me esquecer tudo isso, todas as porcarias que já fiz e que já me fizeram…é como se eu te conhecesse, por me fazeres tão bem…”.


Como as coisas podem mudar de um momento para o outro.


Ainda bem que isto me aconteceu, estava mesmo a precisar disto para me sentir melhor, e para esquecer as outras coisas todas que me chateavam constantemente. Queria estar ali para sempre (como se já não tivesse dito isso), era ali ou nada! E ela parecia cada vez mais linda.


“obrigado por dizeres isso…não sabes o quanto significa para mim.”, disse, enquanto os seus olhos verdes me fitavam intensamente. Ela estendeu-me a mão e eu retribuí…olhou para elas, “ficam bem…”, e sorriu para mim, continuou, “acho que…”, mas não acabou. Estava com um ar confuso e não tirava o olhar das nossas mãos…”acho que…eu…”, “sim?”, levantou o olhar, “amo-te”.

Senti VI

Naquele momento senti-me como novo, as preocupações desapareceram momentaneamente e o sorriso que há muito custava a sair, o sorriso verdadeiro que há tanto encobria com um outro, que não era meu, acabou por se libertar naquele momento, naquele quarto, para aquela pessoa. “hum…ele sorri…”, disse aproximando-se mais, “será que ele também dá abraços?” e aproximou-se mais um pouco…abraçámo-nos, e eu queria lá saber o que se passava à minha volta, era ali que eu estava, naquele momento era ali que eu estava e que queria ficar, nem que fosse para senti-la contra mim, e saber que ela estava ali a abraçar-me, e que era real, e que era tudo. “és uma pessoa fantástica (segredou-me ao ouvido) e mereces tudo o que achas merecer”…”tu és uma pessoa linda (segredei-lhe ao ouvido) por dentro e por fora, corajosa…e adoro estar aqui, assim…contigo” … o abraço acabou e ficámos frente a frente, a olhar um para o outro... a cada segundo que passava sentia o vibrar incandescente do seu coração que estava pronto para explodir, a qualquer momento! “estás bem?”, perguntei, “eu…também adoro estar aqui, assim…contigo”. Ficámos a olhar um para o outro, e aqueles olhos verdes faziam tudo o que tinham a fazer, tão…! Tão linda, como é que é possível? Aproximei-me e beijei-a sem querer saber o que aquilo iria causar, limitei-me a fazer o que queria…sem pensar, pelo menos uma vez na vida.”porque é que fizeste isto?”, disse ela enquanto me olhava surpreendida, “eu…acho que tu, não sei se…”, ela aproximou-se e beijou-me, com mais intensidade do que alguma vez tinha sentido um beijo. Parámos, olhámos um para o outro. “o que é que vai acontecer a seguir?” perguntei-lhe enquanto a fitava com o olhar, “não sei…eu…eu não sei…não posso ficar aqui! Tenho de me ir embora…”, eu não queria ouvir o que ela estava a dizer, não queria! Ela não podia ir embora, “não podes ir embora!” “e o que é que vais fazer? Vais-me manter aqui escondida para sempre, sem ninguém saber? É isso?” “sim! É isso!”, disse com uma determinação que nem julgava ter, ela olhou para mim e transformou a cara preocupada num sorriso novamente brilhante e rejuvenescedor, a sério, OLHEM PARA ELA! Era ali que eu queria viver…naquele quarto, naquelas emoções, naquela cama, naquele sorriso! Era ali…e porque não? E porque não?!

domingo, 10 de abril de 2011

Senti V

E pensar que ainda há pouco estava prestes a ir dormir, prestes a adormecer nas constantes nuvens difusas de desgraças passadas da minha vida, que não saem da cabeça. Pensar que seria mais um dia passado neste mundo e que a noite repleta de sonhos, sonhos sobre um futuro melhor que viria, me fizessem sonhar, que os sonhos me envolveriam mais uma vez e que voltaria a acordar, mais sóbrio do que nunca, com uma pena irritante e verdadeira do que estava a acontecer à minha volta. Em vez disso estava ali alguém que me fazia esquecer, nem que fosse por momentos, segundos mais breves do que a minha respiração quando ela me olhava, as coisas más, as coisas estúpidas…quando ela fica a olhar…

“sabe bem, não sabe?”, perguntou-me ainda a sorrir da quase descoberta inesperada da minha mãe, descoberta que bem podia dizer adeus às minhas férias! “sabe bem?”, eu sabia exactamente o que ela queria dizer…”estar aqui…sem os problemas a passarem-nos à frente…estar aqui a rir…estar aqui…”, como eu me identificava com aquela rapariga, embora à minha maneira. “tens razão, tudo isto é…bom…estar aqui a conversar sem medo, sem ter problemas que nos metam abaixo, sem ninguém a dizer-te adeus.” … “adeus?” “sim, adeus”, “hum…há qualquer coisa que me está escapar?”, eu definitivamente não queria dizer o que se tinha passado, o que me fazia estar assim, sentir-me assim…mas porque não? “eu não queria estar a dizer..” “não precisas de dizer…se não quiseres.”, disse sorrindo mais uma vez, cada sorriso daqueles era uma bomba de adrenalina para o meu coração, mesmo! Sorri e

continuei, “bem…ok, aqui vai, eu gostava mesmo muito de uma pessoa, mesmo! Não sei como é que consegui fazer com que ela gostasse de mim, se é que me entendes”, ela continuava a dar-me aquele sorriso e a aprovar com a cabeça tudo o que eu dizia, e a maneira como o cabelo lhe caía à frente dos olhos…ok! Concentra-te meu! “e depois?”, “tipo, ela era da minha turma, o que me dava alguma vantagem sobre os milhares de rapazes que gostavam dela, e antes sequer de ter falado para ela já andava completamente perdido por aquela pessoa, era uma coisa de outro mundo, não sei como hei-de explicar…” “sim, já deu para perceber!”, disse ela com um tom de voz mais forte, parando por momentos de abanar a cabeça, “continua…”, disse, “bem...nunca tive a coragem para falar com ela e todos à minha volta começavam a notar que algo se passava, pudera, eu não conseguia tirar os olhos dela! Começava a dar muito nas vistas…” “mas o que é que ela tinha assim tão de especial?”, hum…as expressões dela mudavam a cada momento que passava…”ela era mesmo algo incrível, sei lá…” “mas parece que te magoou né?”, olhei para ela e de seguida para o chão, relembrando tudo o que se tinha passado e o porquê de estar triste, e o porquê de tudo o que me meteu neste estado. “desculpa…”, disse ela, “não te queria falar assim, mas…”, continuei o que estava a dizer com a cabeça voltada para ela, olhando-a nos olhos, “eu tive coragem para falar com ela, começámos a falar mais e a conversa fiada de: olá! Como estás? Passou a ser: está-me mesmo a apetecer falar contigo. Começámos a andar…depois acabámos” … ela olhava-me com uma cara de compaixão, “o que aconteceu?” “ela era de longe e acabou por ir para esse longe…” … “desculpa…ter dito o que disse…” “na boa…” “acho que seria difícil alguém acabar contigo só por acabar, só uma razão forte como essa…acho que és especial, e qualquer rapariga veria isso.” … olhei para ela e senti um arrepio, aquela rapariga era diferente, tão linda e…”sou especial? Tu não me conheces…” “tu também não me conheces e isso não te impediu de me trazeres para tua casa …cá para dentro…foste tu que me salvaste e nem sequer me conhecias…acredita… (aproximou-se) …és especial”..

Senti IV

A curiosidade despertava, mas no fundo não queria saber o que ela estava prestes a dizer já que não esperava nada de bom. É um assunto sério, isso não se discute. O que é que vem aí? Tantos problemas, tanta coisa que uma rapariga tem de enfrentar, todos os dias…para ela ter vindo parar à minha rua e da maneira como ela estava…não sei no que é que isto vai dar.


“eu sei que não devia ter feito aquilo, eu sei disso…e não sei se deva dizer…não sei se o que deva fazer seja isso, porque…”, interrompi-a, “não tens de dizer, deve-te custar. Não tens de dizer”, ela olhou para mim e deu-me o sorriso mais sincero que já vi, como se lhe tivesse tirado um peso enorme de cima, como é que um sorriso daqueles tinha de estar constantemente escondido por uma vida tão desagradável e pessoas estúpidas? Ela não merecia.


“e tu? Qual é a tua história?”, perguntou, com um tom de voz muito mais leve, chegando-se mais para mim e abrindo aqueles olhos que a cada minuto que passava me pareciam mais especiais, “pois, eu não tenho assim…tipo, nada de especial…” ela voltou a dar aquele sorriso brutal, “porque é que te estás a rir?”, perguntei, “tu és diferente…” “diferente? Como?” “sei lá, és diferente e isso é bom, só isso”, sorrimos.


O que é que iria acontecer a seguir? Eu não podia mantê-la em minha casa…seria melhor falar com os meus pais? Não! Quer dizer…acho que não. Esquece isso rapaz, aproveita simplesmente para estar com essa miúda que representa algo real na tua vida, algo como já não vivias nem querias viver há muito.

“e agora? O que é que fazemos?”, perguntei enquanto a fitava novamente, de certeza que estava a incomodá-la com o meu olhar insistente, “não sei…eu nem devia estar aqui…talvez fosse melhor ir embora!” e dito isto saltou da cama e correu para a porta num ápice…antes de lá chegar já eu me encontrava à sua frente. “estás a falar a sério? Vais embora assim? Sem mais nem menos? … “eu…eu só estou aqui a fazer porcaria, é só isso que eu sei fazer…porcaria! Não percebes?”, agarrei-a com força e olhei-a nos olhos, “tu não fazes porcaria, tu és tu e mais ninguém, não tens a culpa do que te aconteceu, do que tiveste que passar…não mereceste nada do que te aconteceu,

percebes? Tu és tu e mais ninguém, acredito que agiste como devias agir e porque tiveste que agir…não vês que é isso que te torna uma pessoa tão forte e tão bonita?” … Bem, os olhares trocados podiam muito bem ter causado um incêndio brutal, mas por sorte isso não aconteceu. “filho! Que barulho é esse aí em cima? Já viste que horas são?!”, fui à porta, “sim mãe, desculpa…eu…estou a tentar dormir e…” “vá, vê lá se dormes!” “sim mãe, xau”, fechei a porta, virei-me…ela estava embrulhada nos cobertores a silenciar o riso estridente que mesmo assim, debaixo de tudo aquilo, se ouvia, “é que isto tem uma piada desgraçada!”, “desculpa (disse ainda a rir), mas não dá para controlar”. Ainda bem que se estava a sentir melhor.


Talvez seja mesmo bom estar aqui, com uma perfeita estranha que gosta de rir e de viver, fazendo brilhar os olhos cansados de uma vida que não merecia.