terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A vizinha (12)

O pai ficou uns segundos a olhar e a apontar para a guitarra..Rafael não fazia a mínima ideia do que vinha aí por isso limitou-se a olhar para a vizinha que já tinha reparado que, naquele momento, era o centro de todas as atenções.
-mas aquela...não é a tua guitarra? - concluiu o pai que fazia um esforço mental para recordar o aspecto da prenda que tinha dado ao filho no Natal de há dois anos...Rafael gaguejou.
-bem..é da mesma marca sim.. - tossiu quando acabou a frase para tentar disfarçar a mentira e o medo que havia no seu tom de voz.
-tem bom gosto a vizinha - disse o pai desviando finalmente o olhar para Rafael que tinha uns olhos esbugalhados e um sorriso muito forçado.
-pois...parece que sim - e olhou com um olhar furioso para a rapariga sentada no cadeirão...estava farto daquele "bom gosto".
-bem..mas não te esqueças de cortar ali no canto - terminou o pai apontando para o jardim.
Ele despediu-se do filho e a seguir foi a vez da mãe fazer o mesmo tirando de um canto do seu cérebro a infinita lista de tarefas para o filho fazer...já que ele ia ficar em casa sem fazer nenhum...
Rafael tinha de ir levar a irmã à escola mas ainda havia tempo suficiente para acabar de cortar o jardim..e ia estar a ser constantemente observado por um "público" que o irritava profundamente.
Já estava quase a acabar quando ouviu cordas metálicas soltarem acordes estranhamente perfeitos para o ar..virou-se como uma flecha e direccionou o olhar para a vizinha que tocava na sua guitarra..tinha-a no meio das pernas e por isso era uma beca difícil ele ignorar as pernas perfeitas que..."perfeitas? quer dizer...também não são assim nada de especial!" gritou ele dentro da sua cabeça, tentando ao máximo contrariar o que verdadeiramente pensava "mas verdadeiramente o quê?!?" ..
O olhar que ela lhe mandava era completamente provocador..enquanto os tons melódicos e demasiadamente apetecíveis rasgavam o vento à sua passagem ela mordia os lábios estupidamente perfeitos "lá tás tu!" pensou outra vez e abanou a cabeça com força..mas ela continuava ali quer ele quisesse quer ele não quisesse..e a verdade é que tinha um olhar de puro prazer enquanto percorria a guitarra com as mãos e com a alma.
Ele desligou a máquina para poder ouvir melhor..ela contorcia-se à medida que as notas se tornavam mais agudas e ele não sabia porque é que avançava pelo jardim em direcção à rua que separava as duas casas..aquela miúda não existe..
Ele aproximou-se ainda mais e ela olhava-o..os olhares cruzaram-se e gritavam..queriam estar muito mais perto..tão mais perto..a respiração dele aumentava assim como o ritmo dos sons estonteantes que a guitarra soprava magicamente...a guitarra gemia cada vez que ela lhe tocava e ele sentia que
-maninho?
Ele virou-se e viu a irmã que estava com a mochila às costas e a olhar para ele, novamente com os olhos esbugalhados..a olhar para aquela situação..já não bastava vê-lo a lamber almofadas -.-'
-ei.. - ele engoliu em seco..a música tinha parado - está..está tudo bem ?
-levas-me à escola? - perguntou ela sem tirar os olhos dele e a mexer nervosamente as mãozitas.
-sim...sim..já está na hora? Nem vi o tempo passar ahah..hã..vamos lá então - e deu-lhe um sorriso desesperadamente forçado.
Saiu de casa com a irmã, foi para a rua e passou mesmo ao pé do jardim da vizinha..ela segui-o com o olhar mas ele não se atreveu a olhar mais..
WTF?

A vizinha (11)

Ele entrou em casa e dirigiu-se à cozinha para mais um almoço em família, em que as notícias desastrosas e sensatamente alarmantes do país enchiam a maioria do tempo...a televisão enchia-se de merda, era o que era.
Depois de almoçar com um silêncio profundo como música de fundo decidiu ir sentar-se no banco que tinha no jardim...descansava e depois retomava o que estava a fazer antes da irmã o interromper.
Caminhou para o jardim e lembrou-se de que algo lhe faltava..voltou a lembrar-se da guitarra e de como lhe apetecia tocar e cantar naquele momento...chegou ao jardim e acabou por se sentar no banco que ficava mesmo na ponta do mesmo.
Depois de se ter instalado e de sentir uma vontade extrema de percorrer o seu instrumento musical preferido com os dedos, pensou que faria de tudo para saber o porquê da vizinha o ter roubado..olhou de relance para o jardim da casa dela mas este estava completamente vazio..não havia sinais dela.
Estava tudo muito silencioso, a casa deixava apanhar-se pelo vento que começava a levantar..ele olhou para o céu e parecia mesmo que o tempo ia mudar..ao longe já se conseguiam umas nuvens a aproximar-se..era pena, nos últimos dias o tempo tinha sido tão agradável.
Quando Rafael voltou a olhar para a casa da vizinha, mais propriamente para o jardim, reparou, para sua surpresa, que ela estava sentada no cadeirão que ainda há pouco estava "sozinho".
Trocaram olhares, ora de raiva ora de interesse...mas a raiva que podia percorrer as pupilas dele escancarou-se quando ele reparou na presença de mais alguma coisa..a sua guitarra estava deitada mesmo ao lado da vizinha, deitada no jardim da sua relva..e a a rapariga tão estranha olhava, sem qualquer reacção, para os olhos dele..desta vez estava sem os óculos escuros que lhe conferiam um mistério desagradável..
Dava mesmo para ver para onde é que ela olhava...e não restava qualquer dúvida de que os olhos dela percorriam os dele com uma ferocidade incrível...
Ele olhou mais uma vez para a guitarra..levantou-se enquanto ela seguia o movimento com o olhar..e depois..quando decidiu que estava na hora de ir tirar explicações em relação ao "furto"
-depois não te esqueças de cortar ali - disse uma voz do nada..era o pai que apontava para a parte mais longínqua do jardim - temos vizinhos novos não é - e acenou para a casa e para a rapariga no jardim.
-pois..parece que sim.. - respondeu ele com um medo na voz por o pai poder reparar na guitarra que jazia aos pés dela.
-então...mas aquela guitarra...