Saudade
Inspiro e dou vontade aos dedos.
Talvez tudo possa ser explicado facilmente e o vazio que sinto seja, nada mais, nada menos, do que uma reunião de todos os problemas que moram na minha cabeça, os físicos. Mas não me cai bem, sinto que paira algo mais. Uma aliança inquebrável entre tudo isso e os demónios que só eu cumprimento e que partilham comigo espaço e tempo. Alguns já nem me respondem, de tão seco que me fui habituando a ser.
Devorado aos poucos, mastigado ano após ano, segundo após segundo, saliva ácida a desintegrar restos de sentimentos. E nada mais resta a não ser uma carapaça do que já fui há muito, muito tempo atrás. Do lado direito, uma sombra gigantesca, vazia e anestesiada do que poderia ter sido; e do lado esquerdo, um vulto pequenino, preenchido pelo medo do que ainda poderá vir a ser.
Não sou de todo o cliché do não sentir nada, do "não sinto frio ou calor ou emoções".
Não, ainda não cheguei aí.
Mas sei que o que sinto não é, nem pode ser, verdade. De tão frágil que lhe é o peso.
Tenho frio a toda a hora e sinto que, se uma aragem repentina me surpreender, voarei desfeito em pó. Pedaços da alma.
E como me recordo, quais instantes atrás, do perfeito que já me senti, tudo sabe pior. Porque lembrar o quão leve era, traz-me de volta o nojo pesado de ser o que penso agora. É pior do que se não tivesse memória da alegria que era ser livre à minha maneira. Se fosse assim, ao menos não saberia tudo o que tinha a perder (se não soubesse o que era ganhar).
No final, acredito que esteja tudo relacionado com o meu cérebro e com a facilidade que tenho em me destruir.
O cérebro que me mata todos os dias é o mesmo que me mantém vivo.
Irónico.
Expiro e dou liberdade aos medos.
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