sábado, 7 de julho de 2012

parte 3

Não havia volta a dar.
O carro não ia parar milagrosamente como ele tanto desejava. Por momentos imaginou um acidente gravíssimo que lhe tirasse a vida, mas logo acordou daquele pensamento mórbido dizendo para si mesmo que os emo's são gente atrasada que ele nunca quereria ser..por favor.
A rua desfilava à frente dele e a noite envolvia tudo à sua passagem, juntamente com a lua cheia linda que parecia acompanhar o carro com uma velocidade mirabolante.
Para trás ficou a vida dele..então não é verdade? Para trás ficou tudo o que ele sabia que existia..aquele tinha sido o mundo dele, o seu dia-a-dia..não havia mais nada para além disso...mas estava prestes a convencer-se do contrário.
Ele nunca foi assim..como era agora...ele queria alguma coisa da vida..ele até costumava sorrir de vez em quando, mas desde que os poucos amigos que conhecia se começaram a mudar para outras casas, para outras cidades, quando todos começaram a desaparecer e só ele é que ficava juntamente com os seus pensamentos sujos e estúpidos de sempre...sem ter com quem falar...ele começou a bater mal.
A irmã morreu num acidente de mota.
Ia ela e o namorado, ambos sem capacete..ele nunca mais lá pôs os pés em casa..aliás, nunca mais o viram em lado nenhum...isso foi numa altura em que ela era o principal posto de abrigo para ele..era com ela com quem ele falava (e ainda fala) e era sempre ela que o ouvia e nunca o interrompia (como ainda é).
Ele mudou bastante.
Agora é mais uma alma penada do que outra coisa..já não lhe apetece fazer nada..já não quer fazer músicas..jogar à bola, conhecer pessoas novas..se dependesse dele morria já ali, naquele carro, naquela noite.."tanto faz" pensou, e fechou os olhos.



parte 2

Por incrível que parecesse, mudar de casa, pelo menos para ele, não era nada de outro mundo, não era nada que não se fizesse.
O problema é que para ele já não havia muita coisa que interessasse. Ele já estava um bocado farto, tinha 18 anos e já estava farto.
Nunca sabia ao certo se estava acordado ou num sonho de merda; não sabia se era naquele dia que as coisas iam mudar ou continuar a ser o que eram...a mesma merda de sempre.
Mas pronto..agora era hora de mudar e, quer ele quisesse quer não, tinha de ir arrumar a mala porque os pais já estavam à espera na cozinha, agora sem pratos e sem talheres e sem mesa...e sem nada.
Passaram o dia todo fechados dentro de casa, a esvaziar o pouco que tinham.
A casa ia ficando vazia juntamente com a cabeça de cada um. Os vizinhos com quem se davam melhor foram aparecendo ao longo do dia para se despedirem e desejarem a melhor sorte possível..foram poucos.
Mas agora eram horas de ir embora, o relógio de cuco que foi a última peça a ser despida da casa assinalava as dez horas da noite..e a família tinha ficado de se encontrar com o senhorio às onze.
O bairro para onde se estavam a mudar ficava a cerca de uma hora de carro dali..nem era longe nem era perto..era..só isso..era.
Ninguém se esqueceu de nada, não ficou nada para trás..apenas o vazio e as recordações de uma vida que, embora não fosse assim tão repleta de coisas boas, foi repleta..mesmo que às vezes custasse..e custou.
Entraram no carro e ele olhou uma última vez para aquela casa pequena e tão acolhedora e tão dele.
Ele não ia chorar..ele é um homem...ele não ia chorar.
À medida que o carro se afastava, e por entre a nuvem que saía do seu tubo de escape encardido, só a lua cheia conseguiu ver a lágrima solitária escorrer-lhe pela face.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

parte 1

Ele teve que mudar de casa.
Por mais que quisesse ficar no lar doce lar que o tinha acolhido desde o momento em que tinha nascido, ele tinha de se mudar.
Os pais tinham escavado até ao fundo do poço e não havia mais nada a fazer. Tudo apontava para uma retirada forçada para um sítio mais "fácil".
Os amigos iam ficar para trás...sim...tinha de ser..mas ele também não tinha muitos desses, limitava-se a conversar com os imaginários, esses nunca o desapontavam e nunca tentavam persuadi-lo a mudar de opinião de repente.
O bairro para onde ia era o típico bairro de "sais à rua de noite =és esfaqueado na melhor das hipóteses". Ele já sabia disso, e embora os pais não quisessem admitir à sua frente, era muito provável isso acontecer.
Os pais preocupavam-se e tentavam ao máximo dar-lhe o que podiam..eram capazes de andar sempre com a mesma roupa para lhe comprarem um t-shirt nova, eram capazes de comer um pouco menos para que pudesse haver uma sobremesa para ele..mesmo que fosse pequena..ele gostava.
Ele fazia de tudo para agradar aos pais, fazia o máximo mesmo. Nunca os tinha desapontado e era esse o principal motivo que levava os pais a fazerem os sacrifícios que faziam.
Mas agora não havia nada a fazer...ele ia mudar de casa.