sábado, 11 de fevereiro de 2012

A vizinha (10)

Ele olhou para a irmã que continuava com uns olhos arregalados e uma expressão de puro terror...
-eu...eu estava...deves ter visto mal - e deu um sorriso muito mal disfarçado.
Ela continuou especada, sem sair do sítio e com o olhar que vagueava entre a almofada e o irmão...entre a almofada e o irmão...
-bem...-continuou ele esticando os braços, olhando de seguida para a janela e para mais um dia de sol e céu limpo - dormi bem e tu? - ela abanou a cabeça em sinal afirmativo mas sempre com um olhar muito carregado e desconfiado.
Depois de ficarem uns segundos a olhar um para o outro ela decidiu sair do quarto sem lhe dizer nada...ele atirou a cabeça para a almofada..."que cena" pensou ao mesmo tempo que olhava para o tecto e recordava o sonho de há momentos.
A cara dela apareceu-lhe à frente..o sangue...tudo! E ele recordou o sonho..tal e qual...como se tivesse lá estado mesmo...a viver aquilo..
Levantou-se e caminhou para a janela na esperança de poder vê-la, sentada de novo no cadeirão, a cantar ou a tocar...! Tinha esquecido por completo o facto de ela ter estado a usar a sua guitarra! Qual gajos dos camiões! qual carapuça Era ela, a miúda completamente estranha (mas um estranho bom), a roedora de pastilhas, de olhar enojado...era ela que empunhava a sua guitarra que ele pensara ter sido roubada...e tinha...quer dizer..
-estás bem? - Rafael virou-se muito repentinamente para a porta do quarto onde se encontrava a mãe.
-sim..estou..porquê? - a mãe olhou o quarto de uma ponta à outra sempre com aquele olhar do tipo "isto bem que podia estar muito mais arrumado".
-nada...a tua irmã - as pupilas dos olhos dele aumentaram num ápice e um arrepio percorreu-lhe o corpo - disse que te tinha vindo acordar...e já que estás aí vai cortar a relva..aquilo já está mais do que na hora de ser cortado.
Rafael não suspirou de alívio por ela ali estar, mas sentia-se muito mais descansado por a maninha não ter dado com a língua nos dentes...e era verdade...aquele jardim já estava na hora de levar uma boa aparadela.
Vestiu-se, desceu as escadas que davam para o rés-do-chão da casa e foi tomar o pequeno-almoço. No caminho ainda encontrou a irmã a ler o capuchinho vermelho..olhou para ele com mais um olhar absolutamente reprovador e voltou os olhos de novo para o livro que tinha sido do irmão há tanto tempo.
Pegou numa taça, cereais e leite..depois limitou-se a levar o pequeno-almoço à boca de uma forma irritantemente vagarosa..olhava lá para fora e via os raios de sol a percorrerem um jardim que dizia "CORTA-ME POR AMOR DE DEUS!"
Acabou de comer, foi lá para fora e depois de procurar o corta-relva, que demorou uma !eternidade!, preparou-se para devastar o jardim! Deixá-lo a brilhar.
Já estava de volta de todas aquelas flores e ervas daninhas há algum tempo..a aproximação da hora do almoço fez com que um sol impiedoso lhe começasse a queimar a pele..a cabeça escaldava e o suor começava a cair-lhe da testa para a face.
A dado momento olhou para a casa da vizinha e parou de andar para a frente com o corta-relva..a miúda estava no (muito maior) jardim da sua casa, deitada num cadeirão.."até no jardim? -.-' " pensou Rafael.
Ela estava com uns óculos de sol que não deixavam ver para onde o seu olhar se dirigia..
-maninho..a comida está na mesa - a irmã chamava-o da entrada.
Ele desligou o corta-relva, deu mais um olhar à vizinha e desapareceu...ela tirou os óculos de sol, fez uma cara de amuada e correu também para o interior da sua casa.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A vizinha (9)

A noite passou-se, recheada de sonhos...mais pesadelos do que outra coisa...desta vez não estava a ser perseguido por algo absolutamente desconhecido mas sim a olhar directamente para dois olhos esverdeados que o descortinavam completamente como se um laser saísse deles...ele fazia um esforço tremendo para que o seu olhar desprendesse daqueles olhos cintilantes...mas não conseguia.
Depois, como se nunca tivesse sido difícil fazê-lo, direccionou os olhos para uns lábios perfeitos que eram mordidos por dentes mais brancos que o próprio marfim...mas quando voltou a mandar ao cérebro que o seus olhos olhassem directamente nos dela...um leve e tão macabramente lindo jorro de sangue começou a sair deles...esguichava para a frente e para os lados...e ele sorria, não sabendo bem porquê, enquanto o sangue saltava para a sua cara e coalhava quando tocava na sua pele...
Ele aproximou-se dela que, por incrível que parecesse, mantinha os olhos abertos e um sorriso magnífico enquanto que aquele fluído vermelho jorrava para todo o lado numa quantidade perigosamente exagerada...ele quis beijá-la...e não sabia bem porquê...o mais sensato a fazer era ligar para o 112 ou assim...visto que uma rapariga mesmo à sua frente se estava a esvair em sangue...dos olhos..
Ele aproximou-se mais um pouco e podia sentir o calor daquele sangue que, só por ser dela, o deixava completamente ..
Ela continuava imóvel mas com um sorriso de orelha a orelha, indiferente ao sangue que era cada vez mais abundante...ele aproximou-se da boca dela..e sentiu um calor estranhamente doce....foi a vez dela se aproximar dele...
Ele fechou os olhos e começou a tocar com o seu nariz no nariz dela enquanto o sangue lhe caía para a cara como uma fonte incessante..ela continuava a sorrir...ele beijou os lábios dela recheados de sangue e sentiu um animal a rugir no seu interior...esquece lá as tais borboletas...era algo muito MUITO maior que isso...
Ele lambeu-lhe os lábios que estavam mais vermelhos do que nunca...agarrou-lhe no cabelo dourado que, por artes mágicas ou outra coisa qualquer, estava cinzento...
Ela gritou ! AHHHHHHHHHHHHHHH!
Ele sentiu uma arrepio muito forte e acordou...já era de manhã..e a irmã estava aos pés da cama com uma cara super assustada..
-porque é que estavas a lamber a almofada maninho?

A vizinha (8)

Ele ficou um pouco a olhar para todo aquele cenário..uma miuda à janela, com um pijama da hello kitty mas que, por incrivel que parecesse, era uma hello kitty que parecia ter estado a ingerir quantidades demasiado abundantes de droga: tinha olheiras, uma t-shirt (não cor-de-rosa) dos Nirvana, e por baixo tinha hello kitty escrito num preto carregado em que o "o" pendia como que enforcado dando lugar a um HELL KITTY muito assustador..brutal *.* ela estava sentada num cadeirão majestoso, adornado com coisinhas brilhantes que bem podiam ser pedras preciosas..dinheiro não lhe faltaria decididamente...o cabelo dela esvoaçava à brisa vespertina daquele dia tão diferente e ela fazia um esforço tremendo para afastar, com solavancos fortes de cabeça, o cabelo dourado que insistia em meter-se à frente...
Os olhos, do verde mais lindo que ele alguma vez vira, percorriam com uma atenção desajustada as cordas metálicas da guitarra..os lábios carnudos a serem constantemente mordidos tal não era a importância que ela dava àquela música linda...
Por muito que ele quisesse continuar a babar-se para toda aquela imagem..a guitarra..a guitarra de onde saía aquele som brilhante e tão refrescante, acompanhado por umas cordas vocais perfeitas...era...era a guitarra dele...era a guitarra dele!
-é a minha guitarra... - disse ao de leve, mas preferia ter estado calado...assim que proferiu aquilo dois olhos brilhantes encontraram-no no meio do escuro com uma rapidez infalível.
Ela parou de tocar e de cantar..continuou a olhar para ele que retribuía um olhar que passou de medo para ódio num ápice...
-o que é que a minha guitarra está ali a fazer? - disse mais para ele próprio do que para outra coisa.
-desculpa? - ela levantou-se e encostou-se ao parapeito da janela, levando consigo a guitarra colada na mão direita. Ele não sabia o que dizer.
-essa guitarra... - apontou para a sua menina meio a tremer - é bonita. - e sorriu muito desajeitadamente.
-eu sei...tenho bom gosto - ela entoou aquilo de uma forma muito irónica e deu-lhe um sorriso ainda mais provocador. Mais uma vez ele não sabia o que devia sair da sua boca, por isso limitou-se a dizer.
-é verdade..tens bom gosto. - e dito aquilo da forma mais triste possível, deu-lhe um sorriso demasiado fraco e fechou a janela deixando-a sozinha, no meio da noite..ela franziu a testa e olhou para a guitarra uma última vez antes de fazer o mesmo que ele.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A vizinha (7)

Percorreu mais uma vez a casa da sua nova vizinha com um olhar desconfiado e caminhou para a rua...tentou ao máximo ver movimentos no interior da casa, no jardim...mas estava tudo calmo demais...
Começou a andar em direcção à escola da irmã. De mãos nos bolsos e a pontapear todas as inocentes pedras que lhe apareciam à frente, só com a guitarra no pensamento...ele não estava nada preocupado com o facto de ter de dizer aos pais que perdera algo tão dispendioso, ele estava muito mais preocupado com o simples facto de aquele pedaço de madeira lhe ter fornecido os melhores momentos da vida dele..foram demasiados e muito especiais para se porem de lado de um momento para o outro...mas afinal como é que ela desapareceu? Alguém a roubou...os...os camiões...os gajos dos camiões...
Rafael parou por momentos e ficou no meio da estrada a pensar que o mais provável era isso ter acontecido! Mordeu o lábio com tanta força que acabou por fazer sangue...mas continuou a olhar para a frente e retomou os passos...a irmã já devia estar à sua espera.
Depois de ter ido buscar a irmã foi para o quarto. Já era de noite...mas nem a noite, com as suas estrelas e com a sua lua impressionantes o conseguiam mudar...o humor, a cabeça e a vontade de partir camiões continuavam os mesmos desde a tarde.
Atirou-se novamente para a cama e sentiu, por momentos, que tudo estava bem..tentou fazer um esforço exagerado para manter aquela sensação mas apercebeu-se que era inútil...continuou a olhar para o tecto...inspirou fundo e deixou que o ar lhe saísse da boca da forma mais barulhenta possível.
Tinha-se esquecido completamente de que tinha uma vizinha nova...toda aquela confusão em torno da guitarra tinha feito com que ele esquecesse de que tinha, mesmo à sua frente, uma das miúdas mais giras que ele alguma vez tinha visto em toda a sua vida...levantou-se e caminhou para a janela..
A sua casa era tão próxima da dela que se ela estivesse a ouvir música com um volume moderadamente normal ele ouviria e saberia distinguir a banda, música, ano de edição, etc etc...mas as luzes estavam apagadas..ele tinha-a visto na janela que ficava mesmo virada para a dele...se o quarto dela fosse aí...ainda melhor.
Rafael desistiu e voltou as costas à casa gigantesca para enfrentar de novo a culpa de ter perdido a guitarra quando de repente um som demasiadamente conhecido lhe entrou pelos ouvidos...o som vinha da casa da vizinha e era uma música...VCR...dos The XX...( http://www.youtube.com/watch?v=9i-MgYAYTuU&feature=related ) ... ele adorava aquela música..mas ela não parecia sair de nenhum computador...ou rádio...parecia estar a ser tocada ao vivo.
Voltou a virar-se para a janela e viu que, desta vez, as luzes da janela dela estavam acesas...e ela estava ali...com a janela aberta...com uma guitarra nas mãos...a tocar e a cantar uma das músicas preferidas dele...com uma guitarra muito particular