domingo, 30 de outubro de 2016

Meu cordeiro

O mundo parou por dois segundos e foram esses dois segundos que te fizeram perceber
Que por mais segundos que passassem, sabias que não havia tempo a perder.
E por isso lutaste, perdeste mas descobriste que tudo era melhor quando vivido ao limite
Porque quem vive o que os outros sonham nunca é quem desiste mas quem insiste
E tu subiste mais do que os outros e conseguiste viver feliz para sempre,
Mesmo que esse sempre te fosse tirado de repente.
Meu herói.

Quem haveria de adivinhar que o demónio que pensamos saber existir és mesmo tu?
Tu próprio, com os teus medos imorais e cheios de razão que não passam de pensamentos.
E que todos os momentos que dizemos adorar são mentiras vividas pelos tempos
Em que fomos mais do que uma simples alma, aprisionada e revoltada num corpo nu.

E nasces de novo.
E cresces mais uma vez.
E um mais um mais um são três.
Quando o cordeiro ganhou ao lobo.

Meu herói.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

O espelho

Cai tudo em cima de mim. Caem as dores de mais um dia demoníaco, sem sol e sem chuva e sem nada. E enquanto espero ver a minha sombra lá fora a acenar-me, dou antes por mim a ver o reflexo do espelho do meu quarto, tão parecido comigo mas tão diferente. É a minha cara que me olha, exactamente igual! Como é que...como é que ele está ali se eu estou aqui? Porque eu sei que é normal o reflexo ser igual a mim, com as mesmas feições, com os mesmos movimentos, com o mesmo tudo. Mas, e embora aquele seja eu, aquele não sou eu.

Ele olha-me e basta-me aquele olhar para saber que não sou eu. Aqueles olhos não são iguais aos meus. Têm a mesma cor, têm o mesmo brilho, mas não são os meus. São cansados e metem-me nojo só de olhar para eles. Olhem bem para aquilo. E mexe-se tal e qual como eu me mexo mas parece mais rápido. O meu reflexo, uau...o meu reflexo é mais rápido que eu, ou pelo menos mais rápido que o meu pensamento. Mas sei tão bem que isso é impossível.

Não consigo concentrar-me em mais nada. O dia que desfila fora do meu quarto não me diz nada, não significa nada. Aquele reflexo é tudo, aquele espelho é o meu novo mundo e tem a minha atenção total. Sempre ali esteve, pelo menos desde que me lembro, mas só agora é que ganhou o poder de me intrigar, de me transformar aos poucos. Um pouco mais do que já tenho vaidade de gritar em dias de muito trânsito. Mas mesmo fazendo parte da minha mobília mental há tantos anos, há qualquer coisa de novo em relação àquele novo destaque mortífero da minha mente.

Coço a minha cabeça a escaldar, e ele coça a sua cabeça a escaldar. Mas demora mais tempo a fazê-lo do que eu e, ao aperceber-se que eu notei, sorri para mim...sorri para mim sem eu ter sorrido antes. Não. Aquele não sou eu. Ou será que sou, mas nem sequer me apercebi que acabei de sorrir? Será que tudo não passa de um disfarce criado por mim e eu neste momento sou a pessoa do espelho, enquanto que a pessoa que está neste quarto real é o verdadeiro impostor?

Acho que o melhor é atirar o espelho pela janela. Acabar com isto de uma vez por todas. E o que quer que exista que morra. Quem quer que exista que morra. Porque por muito que me apeteça importar com situações parecidas a esta, a minha paciência esgotou-se ainda antes de me importar.

E ao mesmo tempo que atiro o espelho pela janela, e ainda antes de este se partir em mil bocados frios e humanos, sinto uma pontada na minha alma que me diz, sem qualquer sombra de dúvida, que mal aquele vidro se parta, também eu partirei para sempre.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

A luz da fonte

Estou quase a adormecer. E já há umas três horas que tento.
Estou mesmo quase a adormecer. Os olhos pesam mais que a minha consciência, mas antes de adormecer sinto um movimento mesmo à minha frente.
Está escuro, por isso não consigo saber o que é que acabou de passar por ali a voar.
Uma melga? Um morcego? A minha dignidade? Não sei, mas também não é desta que a recupero, não me apetece.
Tento acender a luz da minha mesa de cabeceira. Mas não tenho uma luz na mesa de cabeceira. Nem mesa de cabeceira.
Então procuro pelo meu telemóvel, mas lembro-me perfeitamente que ainda antes de me deitar ele estava já a ficar sem bateria. Quanto mais agora, horas e horas mais tarde.

Não tenho vontade nenhuma, nem agora, nem nos últimos tempos. Muito menos agora. 
Alguém que me dê a tal injecção de paciência que me prometeram há tanto tempo.


19 anos depois, a tal coisa, ou sei lá como é que lhe hei-de chamar, continua a passar à frente da minha cara. Sempre à mesma hora. Sempre ao mesmo minuto. Ao mesmo segundo.
É impressionante como a mania de um puto me continua a dar pesadelos.

Matei-me há muito tempo, quando ainda acreditava em fantasmas.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A sombra

Estava escuro no meu quarto quando acordei do nada.

Depois de o meu olhar se habituar minimamente à escuridão que me envolvia, pareceu-me ver algo perto do meu armário

Já tinha visto muitos filmes parecidos, histórias semelhantes: às vezes parece que se vêm pessoas na escuridão. Ou é a escuridão que nos obriga a ver tais coisas ou...elas existem...?

Mas lá estava. Uma sombra ondulante. É a melhor maneira que tenho para a explicar.

Sabia bem que era tudo impressão minha. Afinal, o que é que estaria ali? Um monstro?

Essas coisas não existem.

Essas coisas não existem, pois não?

Mexi-me um bocado na cama, e a sombra pareceu mover-se também. Como quando tocas numa teia de aranha e ela se passa!

Aranha assustadora.

E onde é que estava a minha namorada?

Foi a última coisa que pensei, mesmo antes da sombra me esfaquear.

Aquela sombra com uns olhos extremamente parecidos aos da minha namorada.

Agora fico à espera dela. 


Só quero saber o porquê.



domingo, 11 de setembro de 2016

As Bruxas

As Bruxas riam-se.

Porque para além da lua cheia, que contrastava com o escuro-azulado do céu, todos os animais noctívagos faziam das suas, movimentando-se de um lado para o outro no meio do nenhures que era aquela floresta. E elas adoravam aquele cenário "mágico".

Estavam as sete vis criaturas à volta da fogueira, que já ardia há umas boas horas, desde que tinham chegado ao acampamento depois de mais uma caçada perfeita. 

As Bruxas riam-se.

Porque sabiam que iam provar carne fresca, carne de criança saudável e sem réstia de pecado, a mais deliciosa, segundo diziam.
Elas dançavam de um lado para o outro, com os mantos negros a esvoaçar, acompanhando a leve dança do vento que as mergulhava constantemente.

Há já muito tempo que não comiam crianças. 

Há muito tempo que não conseguiam destruir o prazer de enterrar os dentes asquerosos naquelas peles tenras e rosadas. 
Há muito tempo que não ouviam as preces das pobres almas que seriam devoradas, preces que pareciam dar àqueles monstros séculos de vida.

Já há muito tempo que homens bêbados, mulheres perdidas e velhos lenhadores faziam parte do cardápio.
Já há demasiado tempo que tudo o que lhes entrava pela garganta era carne velha, almas desinteressantes e que não sabiam a nada.

Mas aquela noite seria diferente.

Naquela noite iam brindar com o sangue dos meninos e das meninas roubados durante o sono.
Iam partir os ossos frágeis com as suas próprias mãos, arrancá-los e chupá-los enquanto as crianças ainda estivessem vivas.
Iam rir e dançar e fazer o máximo para que a refeição tivesse medo. Quanto mais medo, melhor o sabor.
Iam arrancar os olhos à criança mais nova e dá-los a comer à mais velha.
Descobririam quais os irmãos e as irmãs, para que um assistisse à morte do outro.

E no fim, depois de todas estarem satisfeitas e de todas as crianças mortas, iriam passar a noite cobertas pelo que sobrasse daquele massacre, adormecendo à luz do luar de mais uma noite perfeita.

Com peles a servirem de cobertores.
Cabeças a servirem de almofadas.
Almas a servirem de sonhos.



segunda-feira, 5 de setembro de 2016

O bom filho a casa torna

A última coisa que aqui escrevi foi no dia 10 de Março de 2013...
...Uau.

Foram muitas as vezes em que, durante estes últimos anos de inactividade, me deparei com este blog.

Acabava sempre a pensar como era quando escrevia aqui quase todos os dias. No feedback de todos os que me seguiam.

Aliás, como é que cheguei aos 127 seguidores, às 11241 visualizações de página e às 6664 visualizações de perfil?
Neste momento estes números parecem-me completamente surreais.

Sempre dei muito valor aos que tiravam um bocado da sua vida para "gostar" ou "comentar" as minhas cenas, e ainda hoje não percebo como é que fui deixando escapar esse amor que me davam sem qualquer cerimónia.

Agora sei que a maior parte já nem sequer deve dar uso ao blog, tal como eu deixei de dar. E que nunca será como dantes, talvez por essa mesma razão. Faz sentido.

Tenho bastante pena pois foram muitas as pessoas que conheci aqui e com quem fui aprendendo a ser melhor.

Mas olha, se houver por aí uma alma boa (e viva, de preferência) que ainda se lembre de mim, não te acanhes. Façam todos o que bem vos apetecer. Mi casa es su casa.

Até porque quero saber quais os blogues que se aguentaram!

Olá Blogspot,

Sempre (e para sempre) atenciosamente teu,

Rafael Rama