sábado, 9 de abril de 2011

Senti I

Hoje está tanto frio lá fora.


O frio é tanto que não se vê ninguém. Não passa ninguém pela rua, não se ouvem os carros a alta velocidade, nem os morcegos que costumam andar por ali a esvoaçar de um lado para o outro. Sinto-me diferente nestes dias, qualquer coisa muda, tenho a certeza. Aquela lua tão brutal, talvez ela me mude…não sei.


É uma noite fria que deforma o que vejo e o que sinto à minha volta.


Mas…lá fora, parece que algo se mexe lá fora! Alguém está lá fora, no meio daquele frio endiabrado e na escuridão que silencia qualquer um que pense, sequer, em levantar-se da cama.


Aproximei-me da janela para ver mais de perto e realmente não era o sono que me levava a inventar coisas, estava mesmo alguém lá fora…uma rapariga a tremer, com um casaco roto pelas costas, e descalça! Não queria acreditar no que via. Tinha de fazer alguma coisa, e depressa! Saí de casa numa correria desenfreada, “espero não acordar os meus pais”, pensei enquanto descia as escadas do meu quarto para de seguida abrir a porta de casa. A rapariga ainda lá estava, sentada no meio da rua a chorar e a dizer “porquê a mim? Porquê a mim?”, corri para ela, impulsionado por algo muito forte que não me deixava parar, “o que é que se passa? O que te aconteceu?”…ela não me respondeu, em vez disso continuou a chorar e a gritar “porquê?! Porquê eu?”. Não sabia o que havia de fazer, não conhecia aquela rapariga de lado nenhum, mas algo me dizia que tinha algo a fazer…seria de confiança? “o que devo fazer?” pensei…decidi levá-la para minha casa, “vem”, mas ela não vinha, parecia que fazia de conta que não me ouvia…”vem, eu levo-te para minha casa, lá está quentinho, aqui acabas por morrer com o frio que está!”…nada…ela limitava-se a olhar para o chão e a dizer repetitivamente “a culpa não é minha! Não fui eu! Não era eu!”, de certeza que o frio estava a mexer com a sua cabeça pois já não dizia coisa com coisa, estava assustado mas continuei, “anda, eu levo-te lá para dentro, lá estás segura…não podes ficar aqui!”, ela olhou-me nos olhos e consegui ouvir, pela primeira vez, uma frase coerente, “levas-me lá para dentro…”, “sim, eu levo-te lá para dentro e tudo fica bem, vais ver!”, “lá para dentro? Lá para dentro?”, “sim, agora vem que até eu já não aguento o frio que está!”, “tu não me conheces…”, “lá dentro…falamos lá dentro…agora vem!”.


Não pensei no que estava a fazer, definitivamente! O que estava a fazer podia muito bem ser uma perfeita estupidez…mas ela estava ali fora, a morrer aos poucos…tinha de fazer alguma coisa, não podia ficar de braços cruzados. Talvez fosse melhor acordar os meus pais, ou se calhar era melhor estar paradinho e resolver as coisas à minha maneira.

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