domingo, 10 de abril de 2011

Senti IV

A curiosidade despertava, mas no fundo não queria saber o que ela estava prestes a dizer já que não esperava nada de bom. É um assunto sério, isso não se discute. O que é que vem aí? Tantos problemas, tanta coisa que uma rapariga tem de enfrentar, todos os dias…para ela ter vindo parar à minha rua e da maneira como ela estava…não sei no que é que isto vai dar.


“eu sei que não devia ter feito aquilo, eu sei disso…e não sei se deva dizer…não sei se o que deva fazer seja isso, porque…”, interrompi-a, “não tens de dizer, deve-te custar. Não tens de dizer”, ela olhou para mim e deu-me o sorriso mais sincero que já vi, como se lhe tivesse tirado um peso enorme de cima, como é que um sorriso daqueles tinha de estar constantemente escondido por uma vida tão desagradável e pessoas estúpidas? Ela não merecia.


“e tu? Qual é a tua história?”, perguntou, com um tom de voz muito mais leve, chegando-se mais para mim e abrindo aqueles olhos que a cada minuto que passava me pareciam mais especiais, “pois, eu não tenho assim…tipo, nada de especial…” ela voltou a dar aquele sorriso brutal, “porque é que te estás a rir?”, perguntei, “tu és diferente…” “diferente? Como?” “sei lá, és diferente e isso é bom, só isso”, sorrimos.


O que é que iria acontecer a seguir? Eu não podia mantê-la em minha casa…seria melhor falar com os meus pais? Não! Quer dizer…acho que não. Esquece isso rapaz, aproveita simplesmente para estar com essa miúda que representa algo real na tua vida, algo como já não vivias nem querias viver há muito.

“e agora? O que é que fazemos?”, perguntei enquanto a fitava novamente, de certeza que estava a incomodá-la com o meu olhar insistente, “não sei…eu nem devia estar aqui…talvez fosse melhor ir embora!” e dito isto saltou da cama e correu para a porta num ápice…antes de lá chegar já eu me encontrava à sua frente. “estás a falar a sério? Vais embora assim? Sem mais nem menos? … “eu…eu só estou aqui a fazer porcaria, é só isso que eu sei fazer…porcaria! Não percebes?”, agarrei-a com força e olhei-a nos olhos, “tu não fazes porcaria, tu és tu e mais ninguém, não tens a culpa do que te aconteceu, do que tiveste que passar…não mereceste nada do que te aconteceu,

percebes? Tu és tu e mais ninguém, acredito que agiste como devias agir e porque tiveste que agir…não vês que é isso que te torna uma pessoa tão forte e tão bonita?” … Bem, os olhares trocados podiam muito bem ter causado um incêndio brutal, mas por sorte isso não aconteceu. “filho! Que barulho é esse aí em cima? Já viste que horas são?!”, fui à porta, “sim mãe, desculpa…eu…estou a tentar dormir e…” “vá, vê lá se dormes!” “sim mãe, xau”, fechei a porta, virei-me…ela estava embrulhada nos cobertores a silenciar o riso estridente que mesmo assim, debaixo de tudo aquilo, se ouvia, “é que isto tem uma piada desgraçada!”, “desculpa (disse ainda a rir), mas não dá para controlar”. Ainda bem que se estava a sentir melhor.


Talvez seja mesmo bom estar aqui, com uma perfeita estranha que gosta de rir e de viver, fazendo brilhar os olhos cansados de uma vida que não merecia.

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